Máquinas fazendo “bip”, pessoas agonizando ao meu redor, eu sem a capacidade de me levantar da cama e pessoas vindo fazer papel de sangue suga comigo a cada 2 horas. Essa era minha visão do dia a exatos 365 dias atrás.
Estava eu internado numa UTI, sem poder comer nem beber nada, absolutamente nada, sonhando com um sanduíche ou um sorvete, um copo d’água… Eu só podia receber visitas duas vezes ao dia, eram minhas duas meias-horas favoritas do dia. Na UTI eu não podia usar celular, não tinha TV e eu nem noção do tempo tinha. Numa dessas visitas meu pai me trouxe um relógio e um radinho (AM/FM mesmo), Deus o abençoe. Todos os dias, às 11:30 da manhã e as 8:30 da noite, eu ficava esperando alguém abrir as cortinas. Nas outras 23 horas do dia, ficava imaginando quem iria vir no dia seguinte, imaginei meus amigos, meus primos, a Duda, a Pandora, a Lucília, a dona Nadir, nenhum deles vieram, mas poxa, não tenho o direito de ficar chateado. A cada visita dos meus pais, eles me diziam quem “perguntou de mim”, quem “se acabou de chorar quando ouviu o que estava acontecendo” e quem teve vontade de jogar tudo pro alto só pra vir me ver. Amo vocês.
Passou-se um ano disso tudo, to aqui! Vivo, forte, todos os oito quilos que eu perdi na UTI, eu recuperei! E ainda ganhei outros 4 só de sacanagem… mentira, culpa desse país em que eu vivo momentaneamente.
AI EU TE PERGUNTO! O quê mudou em um ano? Porra, quanta coisa mudou em um ano.
Queria ter feito tudo certo, queria ter virado um exemplo, um santo… Porra nenhuma. Nem deu pra pensar em querer isso, até porque pouco mais de dois meses depois da minha alta, eu indiretamente comecei a Primeira Grande Guerra na minha família, eu, meu (resolvido) problema e algumas caipirinhas na festa de casamento do cara mais gente boa da família.
“Dois meses Guilherme, você não pode ingerir uma gota de álcool por dois meses!” – Disse meu médico. O mesmo que me acompanhou por mais de um mês, me viu melhorando e piorando. O mesmo que agüentou minha mãe chorando e até perdendo a paciência de vez em quando. Aquele que tinha tudo sobre meu problema, o meu.
Bom, minha família é muito maior do que aqueles que por acaso compartilham dos mesmos laços genealógicos que eu.
Meus amigos, isso sim, não mudou, espero que nunca mude.
Saí do meu emprego, e decidi enfim que iria atrás do meu tão desejado intercâmbio, Toronto sempre foi meu sonho. Foi tudo rápido num ponto de vista do futuro, mas deve ter demorado uma eternidade.
Um ano. Eu continuei errando, errando tanto que eu perdi a coisa que eu mais queria ter pra sempre na vida. Foi um choque bem grande, daqueles que você é nocauteado, soco na cara mesmo, você cai e não sabe porque não consegue se levantar. Talvez porque a porrada foi muito forte, talvez porque você saiba que o vacilo foi seu, e que você acabou merecendo o soco.
Agora aqui, é exatamente o contrário, sabemos que corremos o risco de nunca mais ver 99% dos amigos que fazemos aqui. E isso me fez levar a vida do jeito que eu estou levando aqui, desde que eu me lembre.
Não importa se eu tenho mais cinco dias ou cinco anos, não importa se meu melhor amigo vai embora amanhã. Eu vou aproveitar o agora como se ele fosse infinito.
Tô feliz e adaptado aqui, aproveitando tudo que posso e como quero. Sem ninguém pra me falar que tá errado ou se meu médico liberou. Sem ninguém pra fazer vista grossa ou jogar zica.
Tô feliz, isso não mudou.